terça-feira, 14 de maio de 2013

O Meu Tapete Persa_Impressões Iranianas



A viagem começa quando? Quando fisicamente saímos de casa, de mochila às costas ou quando iniciamos a viagem cerebral? Quando a viagem se instala na nossa mente e não conseguimos deixar de pensar nela? E como é que isso acontece? Com uma conversa, com um livro, com um filme ou com uma fotografia...


A minha viagem ao Irão começou numa solarenga tarde de Novembro, sentada numa fantástica sala da casa de Serralves, a ouvir as histórias de viagem do Filipe Morato Gomes. A forma como o Filipe fala do Irão é vírica. E eu, não imune aos vírus das viagens em geral, fiquei particularmente infectada por esta estirpe Iraniana. Deste dia ao dia da partida as conversas e as leituras sobre o Irão foram muitas. Ouvi falar da arquitectura, dos bazares, das cidades e depois sempre as pessoas, as pessoas e as pessoas... Ouvi que ir ao Irão era quebrar preconceitos, a maior parte veiculados pelos média e dos quais os Iranianos têm perfeita consciência fazendo tudo para demonstrar o quanto são injustos. Foi assim que começou a minha viagem ao Irão. Como em qualquer outra viagem, li tudo o que encontrei sobre o assunto... Uma coisa que não consigo deixar de fazer.
As histórias do Filipe que são contagiantes e na grande maioria positivas... no meio de uma mão cheia de outras não tão felizes, que se prendem essencialmente com o contexto politico do Irão e as suas consequências na vida do Iranianos, são a primeira fonte de informação. Mas o que li, de Persépolis de Marjane Satrapi, passando pela Lua de Mel em Teerão de Azadeh Moaveni, à Gaiola de Ouro e O Despertar do Irão de Shirin Ebadi, autora premiada com o Nobel da Paz em 2003, revelaram facetas do Irão que são difíceis de aceitar. Partir sempre de mente aberta, sem preconceitos e sem medos... O que pode ser uma tarefa difícil! Tendo em conta o que li e o que ouvi nos meses antes da partida. "Mas o que é que te deu? “Tens a certeza que é seguro?”. Frases que apareciam sempre que falava na minha futura viagem ao Irão. Tudo o que se diz sobre o Irão é negativo, criou-se uma imagem de terror e medo. Sim há coisas más no Irão. Mas gosto de acreditar que os países são as pessoas e não quem as governa, afinal quantos governos “maus” existem no mundo ocidental dito civilizado? Parti de mente aberta e cheia de curiosidade!

O Irão surpreendeu. A cada dia. Todos os dias. Foram 16 dias de constante superação de expectativas. Pelo primeiro impacto, uma Teerão calma com parques cheios de gente. Pela modernidade e ambiente vibrante da casa dos artistas em Teerão. Pela banda sonora de um simpático café... fado. Pela grandiosidade e ostentação do palácio Golestan e do museu das joias. Por uma Kashan cor de terra com rasgos de riqueza. Pela beringela… divinal, pelo iogurte, pelos sumos de meloa, pelos kebabs e pelo arroz solto e aromático, branco e amarelo, polvilhado de bagas vermelhas. Pelo colorido e pelos sorrisos de Abyaneh. Pelo pequeno restaurante do bazar de Kashan onde os homens bebiam chá demoradamente e pela sua cúpula extraordinária. Pela arquitectura grandiosa mas ao mesmo tempo minuciosa de Esfahan. Pelo burburinho colorido do bazar de Esfahan durante o dia e pelo filtro cinematográfico e a calma assustadora que se instalava à noite. Pela Azadegan Teahouse, a “casa de chá” e pelo Qalyan. Pelos passeios junto ao rio e pelas famílias que nos convidaram a tomar chá. Pelas conversas. Pelo fim de tarde na ponte Si o Seh Pol. Pelo pão quente oferecido por uma Iraniana à saída de uma padaria no bairro Arménio. Pelas viagens de autocarro que revelaram a paisagem Iraniana e pelas rectas até ao horizonte. Pela surpresa que foi o deserto, com direito a passeio emocionante nas dunas, a pôr-do-sol, a nascer da lua, a fogueira, chá e música sob um céu maravilhosamente estrelado. Pelo privilégio de ouvir o Mazyiar, o homem de mãos grandes, de longas barbas e cabelos meticulosamente alinhados, que transforma lindos potes de barro azul em instrumentos musicais dos deuses. Pelo skyline de Yazd com os seus badgirs que ao pôr-do-sol ganham uma cor de fogo. Pelas ruas estreitas com paredes quentes e sombras curiosas. Pelo sorriso maroto das crianças. Pelos tipícos Caravancerais. Pelo azul em todas as suas cambiantes nas mesquitas. Pelos encontros e pelas conversas, algumas em Inglês-Inglês… muitas em Inglês-Farsi. Pela devoção comovente no túmulo de Hafiz em Shiraz. Pelo cheiro intenso e inebriante dos jardins Persas. Pela feira de sexta-feira em Teerão. Pelas pessoas. E aqui vou ficar repetitiva. As pessoas são sem qualquer dúvida a verdadeira riqueza do Irão. Generosas, hospitaleiras, simpáticas, sorridentes, alegres, acolhedoras... conscientes da imagem que o país tem no ocidente, preocupadas em demonstrar que não é real. Pessoas que nos fazem sentir bem. Pessoas que nos acolhem calorosamente. Pessoas que ficam genuinamente felizes quando dizemos que estamos a gostar do Irão, que o país é fantástico, que as pessoas são muito boas e que voltaremos certamente!

Venho do Irão de alma cheia. O melhor do Irão? As pessoas, as pessoas, as pessoas... Não é cliché. A arquitectura é absolutamente fabulosa, a história riquíssima e milenar, a paisagem variada e cativante, mas é a paisagem humana a que mais retenho e a que mais marcas deixa no meu tapete de memórias persas! 
É verdade que estamos a falar da Republica Islâmica do Irão, um regime fundamentalista, que reprime hipocritamente o seu povo. Um país em que um gesto simples como o de dar a mão entre um homem e uma mulher é proibido, e por isso vê-lo é uma lufada de esperança. Um país que perde os seus jovens, que desiludidos com a repressão imposta e com a passividade dos que a aceitam, decidem sair em busca de uma vida mais livre. Os Iranianos querem mudar, mas a sua natureza pacífica impede-os de agir, acham que o tempo se vai encarregar dessa mudança. Mas também um país com laivos de esperança nos casais que namoram nas margens do rio em Esfahan ou que passeiam de mão dada em Shiraz, com os cabelos cada vez mais à vista apesar do lenço, com roupas cada vez mais atrevidas, no bairro Arménio ou na zona norte de Teerão.
Mas também é verdade que enquanto lá estive não pensei muito nestas coisas más. Os Iranianos não me deram tempo para deixar de me fascinar com a sua natureza doce, simpática, curiosa e hospitaleira. Fui tão bem acolhida e foi com tanto orgulho que disseram vezes sem conta "Welcome to Iran" que o tapete persa em construção na minha cabeça não apresenta falhas na geometria do desenho!

 
Quando é que a viagem acaba? Muito depois de terminar fisicamente? Enquanto a viagem cerebral se mantêm? Enquanto acomodo as imagens, os cheiros, os sons na tela que levo na partida. Enquanto se tece o tapete das memórias. Enquanto fios de diferentes cores, cheiros e texturas se organizam até que o tapete persa se complete.
O meu desejo? Que a boa gente do Irão encontre forma de viver o magnifico Irão de forma plena e livre. Que a luz do sol de fim de tarde que ilumina a ponte Si o Seh Pol seja guia para o caminho. E vou certamente voltar um dia para acrescentar pontos ao meu tapete persa!

domingo, 11 de dezembro de 2011

Viajar Para Dentro

A tarde revela-se chuvosa e fria, mas a conversa sobre viagens e errâncias é suficiente para aquecer as almas e para instigar o corpo a iniciar mais uma viagem. A viagem hoje vai ser diferente. Vai ser uma viagem por dentro, por dentro de nós e por dentro da minha cidade. E se uma grande viagem como as que ocupam permanentemente o meu imaginário se divide em etapas, a minha viagem de hoje divide-se em tempos. Hoje vou viver a cidade com tempo.

Primeiro tempo. O imponente edifício da Cadeia da Relação do Porto, onde actualmente funciona o Centro Português de Fotografia, é o início deste meu percurso. Enquanto espreito a exposição patente nas antigas celas colectivas do piso térreo, reparo no segurança que fala com um pequeno grupo de pessoas no pátio da prisão, explicando que era o único ponto onde se apanhava ar puro. Aproximo-me, e fico colada à visita efusiva e apaixonada que o Sr. Paulo Ferreira de olhos claros e brilhantes de entusiasmo, lidera por puro prazer. Demonstra um conhecimento incrível sobre a história da cadeia, revelando histórias fascinantes perante uma plateia atenta e entusiasmada.
Subindo para o segundo piso mostra-nos um máquina fotográfica antiga que era utilizada para tirar fotos aos presos. Fala-nos da Sala das Mulheres, uma sala com paredes de estuque e de tons amarelados e esverdeados, um luxo para uma prisão, justificado por ser esta uma das únicas que prendia mulheres na altura. Dentro desta sala e perante uma plateia crescente, explica porque é que o edifício esteve a cair quando lhe retiraram o muro que fazia o suporte estrutural. Regressa temporariamente ao papel de segurança e diz “Sim Pedro à escuta”, enquanto nos dirige para junto da saída da sala mostrando-nos as janelas interiores com gradeamento em ferro onde os cabos estão torcidos.
Passamos ao 3.º piso, subindo umas escadas escuras de degraus altos por onde corre uma aragem fria. Dirigimo-nos à cela de Camilo Castelo Branco, onde segundo o Sr. Paulo, Camilo terá escrito o Amor de Perdição e depois a Queda de um Anjo. Foi aqui, nesta cela dos Quartos de Malta, reservados para presos com privilégios, com fantástica vista para a Sé e para o Mosteiro da Serra do Pilar, que esteve um ano e 15 dias à espera de julgamento. Camilo tinha tantos privilégios na prisão, que lhe era autorizada uma visita curiosa, a Minerva, sua cadela. Minerva ficava junto a ele na cela, e esteve ao lado de Camilo numa cadeira perto da sua cama durante o período em que permaneceu na enfermaria. Quando o escritor morreu, a cadela morreu pouco tempo depois porque só aceitava comida da mão do dono. Termina assim a visita inesperada à Cadeia da Relação do Porto.
Segundo Tempo. Saio do edifício da Cadeia da Relação e caminho pela rua de São Bento da Vitória, uma rua granítica que termina num muro de pedra com um velho portão de ferro. A curiosidade para ver as vistas é o mote perfeito para a infracção. Afinal, o portão nem sequer está fechado. Transposta a barreira acerco-me do miradouro. A vista sobre o Porto é diferente do habitual. Avisto a Sé, o Convento do Pilar do lado de lá da ponte D. Luís, o telhado do renovado Mercado Ferreira Borges, e o topo do nobre Palácio da Bolsa. De volta, paro à porta de um tasco para falar com o Sr. Joaquim, portuense que nunca subiu à Torre dos Clérigos, que fuma o seu cigarro, meio apagado pela chuva que entretanto começou a cair. Prossigo o caminho com a promessa de, da próxima, provar um copo de vinho da casa.
Terceiro Tempo. Chego ao cimo da Rua de São Bento da Vitória e viro para a Rua dos Caldeireiros. Desço observando as casas velhas, as pessoas à janela, a roupa nos estendais. Paro junto à Capela de Nossa Senhora da Silva. Um senhor à janela de uma casa vizinha informa que, visitas, só ao sábado e que ainda vive lá gente. A paragem revela ao lado da Capela umas janelas em vidro com uma luz quente por trás que aguça a curiosidade. Atrevidamente bato à porta que se encontra fechada. Convite para entrar na Guest House Miss´OPO, onde a fotógrafa Ana Luandina, de Luanda, que sonhava ter uma livraria, me recebe e me deixa explorar o espaço ainda por abrir, enquanto explica como a Guest House – um projecto de duas amigas, vai funcionar. Neste local espera desenvolver trabalhos de retratos com os hóspedes que por aqui passarem, e vai criar uma pequena livraria.
Quarto tempo. Saio e continuo a descer em direcção à Ribeira. O caminho é um caminho novo nunca antes caminhado! Incrível como se podem sempre descobrir novos recantos na nossa própria cidade! Máquinas de costura antigas e ferros em cima do muro, com a ponte D. Luís como pano de fundo e reflectida no Rio.
Sob o olhar amistoso do cachalote no Peter Café Sport, saboreando um gin do mar, ao pé do Rio, na companhia da Ponte D. Luís, envolvida numa boa conversa, termina assim esta viagem dentro da minha cidade. Fica a vontade de regressar, de fazer mais vezes, esta viagem aqui dentro, com o olhar atento, descortinando o que aqui está, que sempre esteve e que ainda não tinha visto, como vi hoje.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Aqui vai falar-se sobertudo de viagens... geográficas, cerebrais... viagens sentidas com o corpo e viagens imaginadas com a mente... porque a vontade de viajar está sempre presente! E se não podemos sempre que queremos IR com o corpo... podemos sempre IR com a mente!